agosto 06, 2014

Relato de parto. Parte 2.

A noite na maternidade
De volta ao ponto em que me informaram que ficaria internada e que pedi para avisarem o Enos. Chamaram ele para que eu mesma pudesse falar. Um Enos um pouco pálido apareceu na porta, e nos emprestaram uma sala de exame vazia para que pudéssemos conversar em privacidade. Uma vez sozinhos, nos olhamos e como que só então caindo a ficha, nos falamos: vai ser hoje mesmo!
Era pouco mais de meia noite, e já que pelo visto iria demorar a noite toda decidimos enviar a sogra para casa com a bagagem, já que ela não poderia entrar e teria que ficar de qualquer jeito na recepção e tentar dormir nas cadeirinhas duras. No centro obstétrico não é permitido entrar com bagagem, e não há suficiente espaço para guardá-las, apenas uns lockers pequenos. 
O Enos foi então arranjar um taxi para que a sogra voltasse para casa e enquanto isso fizeram minha admissão e um exame de sangue. Tinha vários aparelhos de cardiotoco na sala, e jogando um verde perguntei se iriam me colocar um desses. “Só se for mesmo necessário” disse a enfermeira. Sorri aliviada.

O Enos voltou, deram para ele uma camisolinha também (que ele vestiu por cima da roupa toda, deixando mangas de fora, ou seja, não entendemos o propósito daquilo) e uma touquinha igualmente feia. Nos encaminharam por um corredor até o Centro Obstétrico, e no caminho tive que parar umas três vezes devido às contrações. As enfermeiras comentaram que pela frequência e intensidade que estavam minhas contrações, era bem provável que o parto fosse mais rápido do que o dr. Narciso tinha previsto. Sorri enquanto a contração acabava: essas palavras me encorajaram.

Nos levaram para o Centro Obstétrico (C.O.) e nos mostraram o “quarto” onde eu iria parir. Não era bem um quarto, era uma divisória feita com grandes biombos numa sala enorme. Tinha uma cama toda tecnológica, uma mesinha, uma cadeira e uma janela, que abrimos imediatamente para deixar o ar fresco da noite entrar. Ficamos ali alguns minutos, mas mesmo tendo privacidade visual ainda podia ouvir as outras mulheres em trabalho de parto, e isso me deu nos nervos. 
Aliás, no estado em que estava qualquer coisa estava mexendo com meus nervos (coitado do meu paciente e sereno Enos, que ouviu mais de um grunhido meu por simplesmente falar algo num momento pouco oportuno). Pedi para que saíssemos até o corredor, que por ser madrugada estava vazio. Ali pude ficar mais sossegada. Só estávamos eu e ele, e podia caminhar pelo corredor todo e me segurar nas paredes e agachar quando as contrações vinham.

Ficamos ali uma ou duas horas, não sei ao certo. Foi muito bom que nosso parto tenha sido durante a noite, pois o prédio estava bem sossegado. Algumas semanas antes, quando fomos fazer a visita, esse mesmo corredor vazio onde agora estávamos laborando com calma e silêncio estava bem mais agitado, com macas, enfermeiras indo e vindo e até nosso grupo fazendo o tour.
As contrações foram ficando mais e mais fortes, e eu perdi um pouco a noção do tempo. A pressão foi tão forte, que vomitei numa lixeira que tinha ali mesmo. Ficava em geral em pé apoiada na parede, acocorava ou andava um pouco entre as contrações. Tentava imaginar cada contração como uma onda e repetia o “mantra”: abre, abre, abre...
Havia bastantes cadeiras, mas a simples ideia de sentar mexia com meus nervos e me parecia impossível. O Enos foi um anjo, ficando sempre ao meu lado, massageando minhas costas, trazendo água fresca, me ajudando e me sustentando. Tentou me encorajar com palavras também, mas mandei ele calar algumas vezes, coitado. Durante as contrações, até o som da minha respiração me irritava profundamente.
O Enos tinha levado o iPod no bolso e filmou alguns destes momentos no corredor. Lembro que me irritei com ele por isso e isso transparece no vídeo, mas hoje agradeço porque assim temos essa recordação dessas horas surreais, apesar de não mostrar para ninguém e ter feito ele jurar que ficaria só entre a gente.

Após um par de horas comecei a ficar bastante cansada. Voltamos para o C.O. A filha da mulher que tinha conversado comigo na recepção estava no compartimento ao lado do meu e quase parindo, então vários médicos e enfermeiras estavam por lá. Soubemos que a outra mulher a que a mulher da recepção tinha se referido, já tinha ganhado e estava em recuperação, e outra mulher que deu entrada logo depois que eu estava laborando. Todas esperando meninas. Foi a madrugada das meninas!
Subi na cama e fiquei meio deitada, meio de quatro por uns tempos. O dr. Henrique passou para ver como eu estava e me ofereceu a bola suiça. Disse a ele que nem imaginava a possibilidade de sentar em algum lugar e pedi para ir ao chuveiro, mas o dr. disse que por estar a moça ao lado perto de dar a luz e havia movimento de médicos e enfermeiras, para privacidade dela eu teria que esperar um pouco para circular até o chuveiro. Ofereceu de novo a bola e eu, muito contrariada, concordei. Que bom que concordei. 
Diferente do que eu tinha imaginado, a bola foi algo muito bom. Sentei nela, apoiei os braços na cama que era bem mais alta, afundei a cabeça nos braços, fechei os olhos e tentei relaxar. O Enos estava sempre por perto, e tentou me fazer massagem mas me impacientei. Coitado. Então ficou ao meu lado, pronto para me dar o copo de água ou a lixeira para vomitar, conforme eu pedisse. Quando as contrações chegavam eu levantava levemente e voltava a sentar. Perdi a noção de tempo e espaço. Os sons ficaram longe, só tinha eu, a bebê e as contrações. Estava cansada, e às vezes chorava e pensava, só pensava porque não conseguia nem falar, que queria ir embora para casa, sem dor, sem nada. Só queria que acabasse. Pensava que uma cesariana não podia ser pior do que aquilo. É claro que podia, mas naquela hora teria aceitado uma. Teria aceitado qualquer coisa. Rs.

Depois de algum tempo, percebi que estava molhada. Não sabia o que era, imaginei que seria a bolsa que teria roto, já que até então estava inteira (não era. Permaneceu inteira até o final), mas não tinha forças ou vontade de olhar. Só percebia que estava molhada. Algum tempo depois, percebi que o Enos estava se movendo. Foi calmamente até a porta para não me alarmar, chamou a enfermeira e lhe disse que eu estava sangrando, perguntando se era normal. Ela disse que sim, mas que iria procurar o dr. para me examinar.
O doutor demorou para vir. A moça ao lado meu e a mulher que chegou logo depois que eu, tinham acabado de ganhar e estavam todos muito ocupados. Logo outra mulher foi levada ao compartimento ao lado. Ela acabava de chegar, mas iria ganhar sua bebê antes que eu! Não era justo.

Dr. Henrique chegou e perguntei se agora estava liberado para ir ao chuveiro. Ele me examinou primeiro e disse que estava com 7 cm e que poderia ir ao chuveiro sim, mas que primeiro queria confirmar com o dr. Narciso. Enos e eu nos olhamos e pensamos: só pode ser brincadeira! Este médico sabe alguma coisa?
Depois de mais uma eternidade que segundo o Enos não durou mais do que alguns minutos, o dr. Narciso veio me examinar. Me disse: “Mari, a tua bebê já está chegando, você já está com 9 cm”. Pediu que não fosse para o chuveiro, pois poderia dilatar rapidamente e ter que parir por lá mesmo ou no corredor, e que não conseguiriam me preparar para o parto. 
Tentei insistir dizendo que não precisavam me preparar, que eu conseguiria parir, inclusive até preferiria parir na água, mas ele falou que não estão preparados ainda para isso, que tem banqueta de cócoras e tudo mas ainda a equipe não está treinada para fazer assim. Cansada, concordei. Ele disse então que ficasse um pouco deitada de lado para dilatar esse último cm, inclinou a cama tecnológica para que a gravidade ajudasse, deu instruções ao Enos para que me ajudasse com o ritmo da respiração e saiu para atender a mulher do lado, que tinha acabado de chegar e iria ganhar antes que eu. Falou também que tentasse não gritar porque só me faria desperdiçar as forças, que ao invés disso dirigisse a força para dentro. Isso ajudou.

Fiquei de lado, sem forças, sem noção de tempo ou lugar, sem quase conseguir falar porque parecia que qualquer músculo que utilizasse “chamava” outra contração. Mais uma vez, o Enos foi precioso. Segurei a mão dele como quem segura um colete salvavidas. Apertei e apertei enquanto ele me encorajava a respirar, afastava meus cabelos do rosto (já tinha perdido a touquinha fazia tempo), limpava meu suor e me encorajava dizendo que estava indo muito bem, que a nossa filhinha estava chegando e o quanto ele amava a nós duas, e que logo logo acabaria. Pedi que orasse. Ele orou.
Mais uma eternidade se passou. Comecei a ficar impaciente, a gritar que tinham nos largado ali, a pedir que alguém viesse me ver, e vários outros impropérios. Enfim. Puxei o Enos e falei: Você precisa me ouvir! Procura o médico. Procura a enfermeira. Alguém. Fala que estou sentindo vontade de fazer força. Fala isso. (Nem era estritamente verdade, mas eu estava me sentindo meio abandonada e esgotada, e sabia que com isso alguém viria. Rs).
Ainda demorou mais um pouco para vir alguém, mas quando vieram, veio logo a comitiva toda: dr. Henrique e dr. Narciso, e mais duas ou três enfermeiras, não sei ao certo. Uma médica neonatologista também estava lá com uma residente, mas essa parte me ficou meio nebulosa. Me examinaram e dr. Narciso disse: “Mari, você está pronta. A Hadassa está chegando! Vamos te preparar, ok?” Concordei e os preparativos começaram. Dr. Narciso dava indicações ao dr. Henrique sobre o que fazer, qual pano dobrar de que jeito, arrumavam a cama, levantavam alavancas aqui e ali. Comecei a gritar que não queria parir nessa posição, que a gravidade não iria ajudar. As enfermeiras tentaram me convencer brandamente de que eu estava errada, o que só me irritou mais, mas o dr. Narciso calmamente falou que eu estava certa, que essa posição não era das melhores anatomicamente, mas que era melhor para eles poderem me ajudar, lembrando que “ainda a equipe não foi treinada” para assistir a partos de cócoras, mas que já chegariam lá e quando eu fosse ter meu segundo filho tudo estaria perfeito para que tivesse o parto como eu queria. Que a cama tecnológica era japonesa e a última tecnologia para me deixar o mais confortável possível e etc. 
Fiquei muito brava porque não era isso que eu entendia por humanização, mas não queria mais brigar. Queria que acabasse logo e que a minha garotinha nascesse bem. Freneticamente, comecei a questionar tudo e a dar ordens: que não era para fazer episiotomia, que não fizesse isso ou aquilo. O doutor meio que se irritou e falou para alguém que “esta moça entrou no google antes de vir”. Fiquei uma fera. Gritei com ele que não era nada disso, que sou uma mulher empoderada que estuda há anos para se preparar para o momento mais importante da sua vida e que sabia tudo que está acontecendo. Ele passou a me respeitar um pouco mais depois disso.

Tudo pronto. Dr. Henrique iria me guiar no expulsivo com supervisão do dr. Narciso. Ele indicou então para meu jovem e inexperiente médico como fazer para estourar a bolsa, que estava intacta. Nem questionei, já que sabia que estava bem no fim e que ao estourar a bolsa tudo andaria mais rápido, que era o que eu queria. Falou para ele onde se posicionar, perto mas não tanto para não levar um banho de líquido amniótico. Enos e eu nos olhamos, não acreditando. O jovem doutor Henrique sabia fazer alguma coisa afinal? Porque até agora, não parecia! 

Amanhã, o final da aventura toda. Rsrs. Não percam.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Oi! Deixe seu pensamento!