agosto 15, 2014

Considerações


Oi gente. Obrigada por todas as manifestações sobre meu relato de parto. Tenho sim, alegria e certo orgulho por tudo que aconteceu no momento do nascimento da minha filha, e compartilhar isso tudo foi uma forma de não deixar a lembrança desse dia se atenuar.
Alguns falaram sobre não ter certeza de ter forças ou coragem para ter um parto normal. Eu respondo: sempre tive uma tolerância muito baixa à dor, e sempre me impressionei muito fácil. No dia do parto, porém, parece que tudo some. Parece que algo no seu interior diz: não importa o que você sentiu ao longo da vida até agora, esse bebê precisa nascer e precisa de você para isso. E aí flui. Claro, eu sabia que queria normal sem intervenções se possível, desde muito antes de engravidar. Convicção ajuda, mas na hora é mesmo um negócio decisivo.
Sobre as semanas depois, apesar da imensa bênção de estar com minha bebê perfeitamente saudável e linda nos braços, confesso que até agora é uma nebulosa de hormônios dançantes, noites e dias maldormidos, fraldas de montão, mamadas sem hora marcada e sem duração e muita intuição e perder medos. Medo da minha filha sufocar durante o sono, de estar passando fome, de estar produzindo pouco leite, de estar agasalhando demais ou de menos, de dormir pouco (no início, ninava por horas e ela não dormia), enfim, tudo coisas que pais de primeira viagem passam. Aos poucos fomos aprendendo a partir do pressuposto de que estava tudo bem e tentar primeiro que tudo o combo: troca de fralda-alimentar-ninar-mudar de ambiente (porque podia ser só tédio). Como estamos amamentando em livre demanda, acabou sendo 20% das vezes fome, e 80% puro tédio ou vontade de fazer outra coisa, ou de simplesmente ser carregada e aconchegada. Quanto às fraldas... bem, ela nunca se importou de estar cagada até as orelhas. Até agora não se importa. Aliás, prefere dormir cagada até as orelhas do que interromper o mamá ou o quase-sono para trocar para uma fralda limpa e seca. Rs.
Graças ao bom Deus minha bebê não teve sequer um episódio de cólica, o qual nos poupou de noites de desespero que outras pessoas com quem conversava estavam tendo. 
E agora que está crescendo e até começando a experimentar as primeiras papinhas, ficando mais sociável, etc. é pura alegria. Mas sobre isso falo em outro post.
Afinal, corujice não me falta.

Ah! Lembram aquele meu blog de consultoria que comecei ano passado? Estou desempoeirando e recomeçando, com gás total. Passem lá e me deem uma força, nem que seja só pela amizade, estou precisando. Rsrsrs.

agosto 07, 2014

Relato de parto. Parte 3 (final)

O primeiro amanhecer do resto das nossas vidas
Percebi pela janela que estava clareando. Pensei ao mesmo tempo que a noite tinha sido muito curta e que tinha durado uma eternidade. Não sei explicar, mas foi uma sensação dupla de que tudo foi muito rápido e de que estava internada há séculos.
Estourou a bolsa com um ligeiro splash. Não senti nada de diferente além da imensa pressão que já estava bem familiar. Dr. Narciso saiu para atender a mais uma mulher que já estava dando a luz (mais uma que chegou bem depois que eu! Era o cúmulo!). Por alguns minutos não me lembro bem o que aconteceu, mas de repente o dr. Henrique saiu, deixando tudo como estava. Enos e eu nos olhamos sem entender mais nada. Voltou logo depois com o dr. Narciso. Minhas contrações tinham parado de repente. Eu sentia a pressão, mas não estava contraindo. Dr Narciso decidiu assumir e enviou dr Henrique para assistir à outra mulher que também estava pronta.

Aí começou a crise final. Ele pediu à enfermeira que me colocasse soro. Surtei. Gritei que não, que ninguém estava autorizado a me furar, que não queria, que recusava. Gritei com todo mundo, xinguei. 
Dr. Narciso tentava me fazer raciocinar, dizendo que poderia ficar estacionada mais duas horas enquanto minhas forças se esgotavam, mas que o soro seria só “uma vitamina” para me ajudar. 
Gritei que não sou idiota, que sei que iriam me dar ocitocina sintética e que não concordava, que não, não e não. As duas ou três enfermeiras ao meu redor tentando me apaziguar com vozes suaves só me irritavam cada vez mais, e lembro de ter pensado que se tivesse forças suficientes estapearia os rostos de todas de uma vez só. Rsrs.
Aí então o dr apelou para o Enos. Disse que ninguém poderia me pôr o soro se eu não concordasse, mas que seria de grande ajuda para mim mesma, pois já estava muito cansada. O Enos, que estava segurando a minha mão o tempo todo, me olhou nos olhos. Não era pena, não era confronto. Era somente amor. Ele me olhou e me disse o quanto eu tinha sido forte o corajosa, o quanto tinha feito um ótimo trabalho e o quanto ele tinha orgulho de mim e me amava. Que me deixasse ser ajudada, que logo estaria tudo acabado e a bebê em meus braços, e que Deus iria cuidar de tudo. Exausta, chorei e concordei com o soro. 
Confesso que meu medo maior não era o soro em si. Sabia que estava tudo feito, não era como se estivesse no início do trabalho de parto onde tudo poderia acontecer. Meu medo maior era a agulha na minha mão! Nunca tive que pôr uma, e tinha medo de me impressionar com a agulha e que minha pressão caísse, que desmaiasse e não conseguisse empurrar. Isso nem era possível de acontecer àquela hora, mas o medo não me permitiu pensar nisso.
Me furaram não uma, mas duas vezes porque a primeira não deu certo devido à tensão da minha mão (que ironia). Não lembro de ter me sentido diferente após isso, mas as contrações logo recomeçaram. Tentei não pensar na agulha e no soro, e seguir em frente.
Ao longe, um chorinho novo. Mais uma menina nascendo, aquela que o dr. Henrique tinha ido assistir. Dr Narciso ouviu e disse: Pronto, agora o próximo chorinho será o da Hadassa!
Decidi que não queria mais nenhuma intervenção e que aquele parto iria acabar logo de uma vez. Seguindo a orientação do médico, quando senti a contração começando a diminuir, fiz força. Não sei quantas contrações levou. Perdi a conta, mas foram várias. A cabecinha apareceu direitinho, o doutor chamou o Enos para ver. O Enos ficou maravilhado e veio com lágrimas nos olhos, de novo para meu lado. Mais algumas contrações e então PLOP! de uma vez, a Hadassa tinha nascido.
Impossível descrever a alegria, o alívio, a plenitude daquele momento. Toda a dor parou, assim, num instante. O primeiro chorinho da minha filha, toda molhada, roxa e enrugada foi o som mais maravilhoso do mundo.
“Uma menina, magra e comprida!” Anunciou o médico. Às 6:25 da segunda feira do Carnaval de 2014, dia 3 de março.
Falei, ou melhor, berrei para ele não cortar o cordão ainda (o hospital tem como diretriz esperar 3 minutos para cortar o cordão, ou seja, basicamente eu estava dizendo ao médico como fazer o trabalho dele). Ele respondeu sem muita paciência algo como: “deixe que a obstetra sabe o que faz”.
Eu tinha tirado os óculos durante o trabalho de parto, pois o “peso” deles me incomodava. Com minha miopia galopante e uma nuvem de lágrimas de alegria me cobrindo os olhos, mal enxerguei quando me mostraram a bebê. Essa parte o privilegiado papai guardou melhor.
Logo após nos mostrarem, levaram a bebê para os primeiros exames. O Enos tentou ir atrás para acompanhar tudo, mas o detiveram antes que conseguisse sair da sala. Falaram que esperasse um pouco que já o iriam chamar. Eu estava eufórica. Comecei a falar loucamente e a argumentar com o médico que era melhor que minha bebê estivesse comigo, quem sabe já amamentar e assim ajudar a expulsão da placenta. Ele concordou, mas disse que a bebê estava recebendo os primeiros cuidados e logo estaria comigo. Pedi que não puxasse a placenta. Ele disse que não, iria aguardar sair, que não me preocupasse. E assim continuei, falando sem parar sobre qualquer assunto que me vinha à cabeça, desde o estado da minha laceração (levei meia dúzia de pontos) até futebol.

Em alguns minutos chamaram o Enos para ir ver a bebê, enquanto eu terminava essa parte. Quando a placenta saiu, pedi ao médico um momento antes que a descartasse. “O que é agora?!?” Ele falou, meio sem paciência. Falei calma, não vou querer comer a placenta nem nada. E expliquei freneticamente sobre o suposto envelhecimento precoce da placenta e toda a história. Ele a examinou rapidamente e concluiu que estava em perfeitas condições.
Os pontos foram uma tortura. Passaram uma anestesia local, mas podia sentir a agulha e o fio passando pela pele perfeitamente. “Doutor!” berrei. “Me dá alguma coisa para eu não sentir esses pontos, senão vou ter pesadelos com essa sensação!” Ele riu. “Você não precisa. Acabou de dar a luz uma criança sem anestesia! Já estou acabando”.

Final feliz
Então acabou. Duas ou três enfermeiras vieram e só respondiam meros “aham” à minha conversa sem fim. Rs. Me colocaram um fraldão, do qual ri loucamente e fiz piadinhas. Me ajudaram a levantar e passar para uma maca estreita da qual me lembro de ter medo de cair. Pedi para que retirassem a agulha da minha mão. O soro estava acabando, então  o retiraram mas deixaram o acesso para o caso de que precisasse de alguma medicação. Me empurraram afora do C.O., para a sala de recuperação. Na saída, dr. Narciso conversava com dr. Henrique. Quando me viu passar, comentou: “Veja dr. Henrique. Esta moça vai querer um parto de cócoras da próxima vez. Vamos nos preparar!” Quase gritando porque já ia me afastando, disse que não haveria próxima vez, que uma só tinha sido suficiente. Todos riram. Ainda ouvi dr. Narciso dizer: “Isso você diz agora, mas ano que vem estará aqui de novo!”
Me levaram até a sala de recuperação. Logo em seguida Enos entrou com a bebê no colo. Já tinham entregado a bebê para ele àquela mesma hora que o chamaram, e pai e filha tiveram esse tempo a sós para se reconhecerem do lado de fora da barriga. Mas ali, naquele momento, exaustos pelo esforço e pela noite sem sono, foi nosso primeiro momento como a pequena família que agora somos.
Finalmente pude dar de mamar para minha pequena pela primeira vez. Fazia 40 minutos que tinha parido, e fora o incômodo dos pontos, não sentia nem sentiria dor alguma. A maca era terrível para me manter sentada, já que não tinha encosto. Deitada, tinha medo de dormir e rolar para baixo (mesmo com as grades) ou deixar a bebê cair. O cansaço era imenso, mas a vontade de ficar acordada e acompanhar cada respiração da minha bonequinha era maior. Não havia cadeira para o acompanhante, e o pobre Enos, pálido e exausto, sentou no chão mesmo, ao lado da maca, para descansar um pouco.

Teríamos que aguardar um tempo a que a equipe do alojamento viesse nos buscar quando nosso leito estivesse pronto, e esse tempo se tornou uma eternidade. Enfermeiras vinham de vez em quando para ver como estava, se já estava amamentando e se a pega estava correta. Me trouxeram um lanche. Para cada enfermeira que entrava, eu perguntava quando iriam me levar, mas era mais de 10h quando finalmente a equipe do alojamento veio nos buscar. A bebê, aquele embrulhinho cor de rosa numa enorme manta verde do hospital, sempre ao meu lado, fazendo os barulhinhos mais deliciosos. A partir de então, não iríamos nos separar mais. Ela estava ali, nos meus braços, eu tinha parido e tudo estava bem.

agosto 06, 2014

Relato de parto. Parte 2.

A noite na maternidade
De volta ao ponto em que me informaram que ficaria internada e que pedi para avisarem o Enos. Chamaram ele para que eu mesma pudesse falar. Um Enos um pouco pálido apareceu na porta, e nos emprestaram uma sala de exame vazia para que pudéssemos conversar em privacidade. Uma vez sozinhos, nos olhamos e como que só então caindo a ficha, nos falamos: vai ser hoje mesmo!
Era pouco mais de meia noite, e já que pelo visto iria demorar a noite toda decidimos enviar a sogra para casa com a bagagem, já que ela não poderia entrar e teria que ficar de qualquer jeito na recepção e tentar dormir nas cadeirinhas duras. No centro obstétrico não é permitido entrar com bagagem, e não há suficiente espaço para guardá-las, apenas uns lockers pequenos. 
O Enos foi então arranjar um taxi para que a sogra voltasse para casa e enquanto isso fizeram minha admissão e um exame de sangue. Tinha vários aparelhos de cardiotoco na sala, e jogando um verde perguntei se iriam me colocar um desses. “Só se for mesmo necessário” disse a enfermeira. Sorri aliviada.

O Enos voltou, deram para ele uma camisolinha também (que ele vestiu por cima da roupa toda, deixando mangas de fora, ou seja, não entendemos o propósito daquilo) e uma touquinha igualmente feia. Nos encaminharam por um corredor até o Centro Obstétrico, e no caminho tive que parar umas três vezes devido às contrações. As enfermeiras comentaram que pela frequência e intensidade que estavam minhas contrações, era bem provável que o parto fosse mais rápido do que o dr. Narciso tinha previsto. Sorri enquanto a contração acabava: essas palavras me encorajaram.

Nos levaram para o Centro Obstétrico (C.O.) e nos mostraram o “quarto” onde eu iria parir. Não era bem um quarto, era uma divisória feita com grandes biombos numa sala enorme. Tinha uma cama toda tecnológica, uma mesinha, uma cadeira e uma janela, que abrimos imediatamente para deixar o ar fresco da noite entrar. Ficamos ali alguns minutos, mas mesmo tendo privacidade visual ainda podia ouvir as outras mulheres em trabalho de parto, e isso me deu nos nervos. 
Aliás, no estado em que estava qualquer coisa estava mexendo com meus nervos (coitado do meu paciente e sereno Enos, que ouviu mais de um grunhido meu por simplesmente falar algo num momento pouco oportuno). Pedi para que saíssemos até o corredor, que por ser madrugada estava vazio. Ali pude ficar mais sossegada. Só estávamos eu e ele, e podia caminhar pelo corredor todo e me segurar nas paredes e agachar quando as contrações vinham.

Ficamos ali uma ou duas horas, não sei ao certo. Foi muito bom que nosso parto tenha sido durante a noite, pois o prédio estava bem sossegado. Algumas semanas antes, quando fomos fazer a visita, esse mesmo corredor vazio onde agora estávamos laborando com calma e silêncio estava bem mais agitado, com macas, enfermeiras indo e vindo e até nosso grupo fazendo o tour.
As contrações foram ficando mais e mais fortes, e eu perdi um pouco a noção do tempo. A pressão foi tão forte, que vomitei numa lixeira que tinha ali mesmo. Ficava em geral em pé apoiada na parede, acocorava ou andava um pouco entre as contrações. Tentava imaginar cada contração como uma onda e repetia o “mantra”: abre, abre, abre...
Havia bastantes cadeiras, mas a simples ideia de sentar mexia com meus nervos e me parecia impossível. O Enos foi um anjo, ficando sempre ao meu lado, massageando minhas costas, trazendo água fresca, me ajudando e me sustentando. Tentou me encorajar com palavras também, mas mandei ele calar algumas vezes, coitado. Durante as contrações, até o som da minha respiração me irritava profundamente.
O Enos tinha levado o iPod no bolso e filmou alguns destes momentos no corredor. Lembro que me irritei com ele por isso e isso transparece no vídeo, mas hoje agradeço porque assim temos essa recordação dessas horas surreais, apesar de não mostrar para ninguém e ter feito ele jurar que ficaria só entre a gente.

Após um par de horas comecei a ficar bastante cansada. Voltamos para o C.O. A filha da mulher que tinha conversado comigo na recepção estava no compartimento ao lado do meu e quase parindo, então vários médicos e enfermeiras estavam por lá. Soubemos que a outra mulher a que a mulher da recepção tinha se referido, já tinha ganhado e estava em recuperação, e outra mulher que deu entrada logo depois que eu estava laborando. Todas esperando meninas. Foi a madrugada das meninas!
Subi na cama e fiquei meio deitada, meio de quatro por uns tempos. O dr. Henrique passou para ver como eu estava e me ofereceu a bola suiça. Disse a ele que nem imaginava a possibilidade de sentar em algum lugar e pedi para ir ao chuveiro, mas o dr. disse que por estar a moça ao lado perto de dar a luz e havia movimento de médicos e enfermeiras, para privacidade dela eu teria que esperar um pouco para circular até o chuveiro. Ofereceu de novo a bola e eu, muito contrariada, concordei. Que bom que concordei. 
Diferente do que eu tinha imaginado, a bola foi algo muito bom. Sentei nela, apoiei os braços na cama que era bem mais alta, afundei a cabeça nos braços, fechei os olhos e tentei relaxar. O Enos estava sempre por perto, e tentou me fazer massagem mas me impacientei. Coitado. Então ficou ao meu lado, pronto para me dar o copo de água ou a lixeira para vomitar, conforme eu pedisse. Quando as contrações chegavam eu levantava levemente e voltava a sentar. Perdi a noção de tempo e espaço. Os sons ficaram longe, só tinha eu, a bebê e as contrações. Estava cansada, e às vezes chorava e pensava, só pensava porque não conseguia nem falar, que queria ir embora para casa, sem dor, sem nada. Só queria que acabasse. Pensava que uma cesariana não podia ser pior do que aquilo. É claro que podia, mas naquela hora teria aceitado uma. Teria aceitado qualquer coisa. Rs.

Depois de algum tempo, percebi que estava molhada. Não sabia o que era, imaginei que seria a bolsa que teria roto, já que até então estava inteira (não era. Permaneceu inteira até o final), mas não tinha forças ou vontade de olhar. Só percebia que estava molhada. Algum tempo depois, percebi que o Enos estava se movendo. Foi calmamente até a porta para não me alarmar, chamou a enfermeira e lhe disse que eu estava sangrando, perguntando se era normal. Ela disse que sim, mas que iria procurar o dr. para me examinar.
O doutor demorou para vir. A moça ao lado meu e a mulher que chegou logo depois que eu, tinham acabado de ganhar e estavam todos muito ocupados. Logo outra mulher foi levada ao compartimento ao lado. Ela acabava de chegar, mas iria ganhar sua bebê antes que eu! Não era justo.

Dr. Henrique chegou e perguntei se agora estava liberado para ir ao chuveiro. Ele me examinou primeiro e disse que estava com 7 cm e que poderia ir ao chuveiro sim, mas que primeiro queria confirmar com o dr. Narciso. Enos e eu nos olhamos e pensamos: só pode ser brincadeira! Este médico sabe alguma coisa?
Depois de mais uma eternidade que segundo o Enos não durou mais do que alguns minutos, o dr. Narciso veio me examinar. Me disse: “Mari, a tua bebê já está chegando, você já está com 9 cm”. Pediu que não fosse para o chuveiro, pois poderia dilatar rapidamente e ter que parir por lá mesmo ou no corredor, e que não conseguiriam me preparar para o parto. 
Tentei insistir dizendo que não precisavam me preparar, que eu conseguiria parir, inclusive até preferiria parir na água, mas ele falou que não estão preparados ainda para isso, que tem banqueta de cócoras e tudo mas ainda a equipe não está treinada para fazer assim. Cansada, concordei. Ele disse então que ficasse um pouco deitada de lado para dilatar esse último cm, inclinou a cama tecnológica para que a gravidade ajudasse, deu instruções ao Enos para que me ajudasse com o ritmo da respiração e saiu para atender a mulher do lado, que tinha acabado de chegar e iria ganhar antes que eu. Falou também que tentasse não gritar porque só me faria desperdiçar as forças, que ao invés disso dirigisse a força para dentro. Isso ajudou.

Fiquei de lado, sem forças, sem noção de tempo ou lugar, sem quase conseguir falar porque parecia que qualquer músculo que utilizasse “chamava” outra contração. Mais uma vez, o Enos foi precioso. Segurei a mão dele como quem segura um colete salvavidas. Apertei e apertei enquanto ele me encorajava a respirar, afastava meus cabelos do rosto (já tinha perdido a touquinha fazia tempo), limpava meu suor e me encorajava dizendo que estava indo muito bem, que a nossa filhinha estava chegando e o quanto ele amava a nós duas, e que logo logo acabaria. Pedi que orasse. Ele orou.
Mais uma eternidade se passou. Comecei a ficar impaciente, a gritar que tinham nos largado ali, a pedir que alguém viesse me ver, e vários outros impropérios. Enfim. Puxei o Enos e falei: Você precisa me ouvir! Procura o médico. Procura a enfermeira. Alguém. Fala que estou sentindo vontade de fazer força. Fala isso. (Nem era estritamente verdade, mas eu estava me sentindo meio abandonada e esgotada, e sabia que com isso alguém viria. Rs).
Ainda demorou mais um pouco para vir alguém, mas quando vieram, veio logo a comitiva toda: dr. Henrique e dr. Narciso, e mais duas ou três enfermeiras, não sei ao certo. Uma médica neonatologista também estava lá com uma residente, mas essa parte me ficou meio nebulosa. Me examinaram e dr. Narciso disse: “Mari, você está pronta. A Hadassa está chegando! Vamos te preparar, ok?” Concordei e os preparativos começaram. Dr. Narciso dava indicações ao dr. Henrique sobre o que fazer, qual pano dobrar de que jeito, arrumavam a cama, levantavam alavancas aqui e ali. Comecei a gritar que não queria parir nessa posição, que a gravidade não iria ajudar. As enfermeiras tentaram me convencer brandamente de que eu estava errada, o que só me irritou mais, mas o dr. Narciso calmamente falou que eu estava certa, que essa posição não era das melhores anatomicamente, mas que era melhor para eles poderem me ajudar, lembrando que “ainda a equipe não foi treinada” para assistir a partos de cócoras, mas que já chegariam lá e quando eu fosse ter meu segundo filho tudo estaria perfeito para que tivesse o parto como eu queria. Que a cama tecnológica era japonesa e a última tecnologia para me deixar o mais confortável possível e etc. 
Fiquei muito brava porque não era isso que eu entendia por humanização, mas não queria mais brigar. Queria que acabasse logo e que a minha garotinha nascesse bem. Freneticamente, comecei a questionar tudo e a dar ordens: que não era para fazer episiotomia, que não fizesse isso ou aquilo. O doutor meio que se irritou e falou para alguém que “esta moça entrou no google antes de vir”. Fiquei uma fera. Gritei com ele que não era nada disso, que sou uma mulher empoderada que estuda há anos para se preparar para o momento mais importante da sua vida e que sabia tudo que está acontecendo. Ele passou a me respeitar um pouco mais depois disso.

Tudo pronto. Dr. Henrique iria me guiar no expulsivo com supervisão do dr. Narciso. Ele indicou então para meu jovem e inexperiente médico como fazer para estourar a bolsa, que estava intacta. Nem questionei, já que sabia que estava bem no fim e que ao estourar a bolsa tudo andaria mais rápido, que era o que eu queria. Falou para ele onde se posicionar, perto mas não tanto para não levar um banho de líquido amniótico. Enos e eu nos olhamos, não acreditando. O jovem doutor Henrique sabia fazer alguma coisa afinal? Porque até agora, não parecia! 

Amanhã, o final da aventura toda. Rsrs. Não percam.

agosto 05, 2014

Relato de parto. Parte 1

Antes tarde do que nunca. E assim, para comemorar os 5 meses da senhorita Hadassa, vou finalmente fazer meu...



RELATO DE PARTO

Primeiro que tudo, quero esclarecer:
Meu parto foi exatamente como eu gostaria que fosse? Não. Mas eu sabia desde o início que dificilmente teria do jeito que gostaria ou que acho melhor.
Masss, foi melhor do que eu esperava, sabendo que seria numa instituição pública que eu não tinha escolhido, dentro do SUS? Sim, com certeza bem melhor do que eu esperava.
Claro que nas instituições existem regras, e por não querer me adequar a elas eu teria preferido ter um parto domiciliar. Mas a situação geral (não só financeiramente, mas também psicologicamente, e em relação a todo um conjunto de fatores que na minha cabeça têm que estar alinhados para que um parto domiciliar seja possível) não permitiria ter um parto domiciliar. Mas desde o início do pré-natal em Curitiba fui encaminhada para a maternidade Victor Ferreira do Amaral, e mesmo depois de tantas mudanças de cidade, acabei voltando para o mesmo lugar e para a mesma maternidade, que é referência em partos humanizados aqui em Curitiba e pioneira destes “novos métodos” de “des-hospitalização”, como pude ver quando fui fazer a visita, algumas semanas antes do parto.

Os dias prévios
Tive a última consulta na sexta feira, 28 de fevereiro, com 38 semanas e 4 dias. Não teve exame de toque, mas o médico me informou que a bebê estava encaixada e baixa (inclusive me ajudou a sentir a cabecinha dela). Poderia ser a qualquer momento, mas ele apostava que demoraria alguns dias ainda. Saí da consulta tranquila, pensando no que iria fazer para o jantar.
No sábado decidimos não ir à igreja, por causa do calor e do meu tamanho todo, que tornava bastante incômodo andar de ônibus. Passamos o dia tranquilos em casa e saímos para dar uma caminhada leve ao entardecer. Tranquilamente, fazendo planos e aproveitando o sossego do sábado de carnaval. À noite uma conhecida me ligou. “Para quando é o bebê?” “Para qualquer momento”, respondi. Rs.

O início
No domingo de carnaval, dia 2 de março, acordei cedo sentindo dores leves na base das costas, como em ondas. Nada tenso, só desconfortos passageiros. Dormi mais um pouco, no fim das contas era domingo e feriadão! Acordei por volta das nove e comentei com o Enos sobre as dorzinhas. Cheguei a pensar se não seria o começo do trabalho de parto, mas afastei esse pensamento. Se fosse mesmo, com o passar das horas iria ter certeza. Mas podia ser só um desconforto na cintura devido ao peso da barriga e à postura.
Levantei e fui fazer minhas coisas. Durante o feriadão, só estávamos em casa o Enos, minha sogra e eu. Decidi nem comentar nada com a sogra por enquanto, e até pensar o menos possível na possibilidade de a minha filha estar para chegar, para não ficar ansiosa antes do tempo. Afinal, eu queria ficar em casa o maior tempo possível antes de ir para a maternidade.

Fui para o tanque lavar mais umas roupinhas da bebê, fraldas de boca e etc. Era uma maneira de me distrair, e se estivesse mesmo em trabalho de parto iria precisar delas logo. Lavei e pendurei no varal um monte de coisinhas, e então decidimos ir até o sacolão, como fazíamos em geral aos domingos de manhã. No caminho, mais algumas dorzinhas. As sentia vir de leve, se tornarem mais fortes e depois irem se esvaindo, mas não eram fortes e não me impediam de falar ou caminhar normalmente. Por precaução, decidi marcar o intervalo entre elas, mas era bastante irregular: às vezes quinze minutos, às vezes quarenta.
Voltamos para casa depois de fazer as compras e ao chegar em casa senti um mal estar esquisito, uma tontura e dor de cabeça. Pensei que podia ser por causa do calor. Sentei, tomei água, e foi passando. Sogra fez almoço e sentamos para almoçar mas comecei a sentir desconforto ao estar sentada. 
Na minha cabeça, começou a ficar mais forte a convicção de que estava chegando a hora. “Dito e feito”- pensei comigo. “Eu sabia que seria no carnaval”. Também comecei a ter que parar o que estivesse fazendo e me concentrar na dor quando ela vinha, mas apesar de tudo tentei permanecer o mais tranquila possível. Doida por uma estatística como sou, comecei a tabelar horário, duração e intervalo das dores, e até fiz uma coluna para “intensidade da dor”, que comecei a marcar numa escala de 1 a 10. Paranoica? Não! Eu estava me divertindo e saboreando cada momento.

Depois do almoço fui deitar e tentar descansar, afinal, se estivesse mesmo em trabalho de parto iria precisar de toda a energia possível. Consegui dormir um pouco, mas as contrações (que até então e meio que em negação eu chamava de “dorzinhas”) me acordaram várias vezes. De vez em quando o intervalo entre elas baixava para 6 minutos e eu pensava comigo: “oba! se continuar assim, daqui a pouco vou chamar o Enos para irmos para a maternidade”. Mas então espaçavam de novo para 12, 15 minutos. Foi assim por várias vezes, sem entrar num ritmo. Eu parava e respirava enquanto durava a contração, e depois continuava fazendo o que estivesse fazendo como se nada.
Fui para a cozinha me distrair com alguma coisa. Tinha deixado aveia de molho para fazer leite, então bati o leite e ainda fiz cookies com o resíduo. Parava o que estava fazendo quando as contrações vinham, e continuava normalmente depois.

Uma tarde longa
A tarde passou. Pelas 18 horas a intensidade das dores foi aumentando, e os intervalos ficaram mais regulares, de 6 a 8 minutos. Passei a tabela para o Enos e ia avisando ele cada vez que tinha outra contração. Ele cronometrava e anotava. Com o tempo e a regularidade, passou a me avisar (com bastante exatidão) quando estava próximo de vir mais uma. 
Entrei na internet para ver se conseguia falar com a minha mãe. Ela que passou por quatro partos normais era a minha referência mais próxima e mais confiável, já que a sogra teve somente cesáreas. Porém, era domingo à tarde e minha mãe tinha ido com a minha irmãzinha a um desfile de carnaval. Mesma coisa com minha irmã, e só pelas oito horas consegui me comunicar com meu cunhado. Logo depois ambas, irmã e mãe entraram na internet e pude contar como iam as coisas e pedir conselho a minha mãe. Ela concordou que pela descrição parecia mesmo que estava em trabalho de parto e que deveria me arrumar para ir à maternidade. 
O intervalo não havia diminuído nas últimas duas horas, mas a intensidade havia aumentado: agora eu parava e me apoiava dobrando para a frente até a contração passar, agachava, ou subia na cama de quatro. Decidi esperar o intervalo diminuir mais, enquanto fazia a mala para a maternidade, que ainda não tinha nem começado a fazer. Não foi por descuido: guardei mesmo a atividade para essa hora a fim de me manter ocupada e assim menos ansiosa.
Combinamos que iria tomar um banho e depois iríamos para a maternidade. Não queríamos ir e ter que voltar, mas por outro lado estávamos um pouco inseguros sobre qual seria a hora certa de ir. Fui tomar um banho e ohhhh que alívio para minhas costas! A água morna era tão boa que permitiu que me acalmasse bem.
Não queria sair do banho, mas era preciso. Com o banho, as contrações deram uma parada, então decidimos esperar mais um pouco. Sogra nos preparou um lanche, conversei mais um pouco com a minha mãe e depois com meu pai, que perguntava por que não tinha ido para a maternidade ainda. Pelas 22h as contrações voltaram a ficar fortes e regulares, e decidimos nos arrumar para ir. Um vizinho iria nos levar, então também não queríamos deixar ficar muito tarde se fosse possível.
Pelas 23:15 finalmente saímos de casa. Vizinho dirigindo, eu, Enos, sogra, minha mala, mala da bebê, bolsa, bolsa da câmera, documentos na mão, ou seja, bagagem completa. Ir sentada no carro foi bastante incômodo, mas em menos de 15 minutos estávamos lá.

Perspectiva de uma noite animada
Surpreendentemente a recepção estava bastante cheia para esse dia e horário, mas me chamaram bastante rápido. Uma mulher na sala de espera, querendo puxar conversa, me perguntou se estava sentindo as dores. Devo ter grunhido afirmativamente, porque jogar conversa fora àquela hora e naquela situação não era exatamente o que eu tinha em mente. Ela então contou que a filha dela tinha sido induzida de tarde e estava já no Centro Obstétrico, e que só tinha ela e mais uma mulher parindo, ou seja que apesar da recepção estar cheia, lá dentro estava bastante vazio. Ok então, obrigada pela informação.

Me chamaram. Um médico mais jovem que eu (desconfio que beeem mais jovem que eu) e visivelmente inexperiente, começou a me fazer perguntas e preencher minha ficha. Tudo bem, hospital-escola tem dessas coisas. Mas dr. Henrique era bem atencioso. Pergunta isso, pergunta aquilo, e pede que coloque uma daquelas camisolinhas infames (mas que fechava na frente, pelo menos!) para me examinar. Ficar deitada de costas para ser examinada foi uma tortura, ainda mais durante as contrações, que estavam bem próximas, a cada 4 ou 5 minutos. Ouviu os batimentos da bebê, confirmou que parecia estar tudo em ordem e então fez exame de toque. Perguntei quantos centímetros tinha e meio hesitante respondeu que iria procurar a médica de plantão para uma segunda opinião. Quase ri na cara dele. “Sou cobaia ou o quê?” pensei, me sentindo como em Grey’s Anatomy.
A médica veio. Ela estava quase deixando o plantão, mas me examinou. “4 cm”, concordaram. “Você já vai ficar internada. Tem alguém para ficar com você?”. Respondi que sim, e que por favor fossem falar para o Enos o que estava acontecendo. Se estivesse com 3 cm iriam me mandar de volta para casa, mas com 4 e sendo que a madrugada estava apenas começando e para que não tivesse que andar de correria no meio da noite, decidiram me manter por lá. O médico que estava entrando de plantão no lugar da dra. que tinha me examinado e que se chamava dr. Narciso (mas só fui perguntar o nome dele quase no fim do parto, rsrs), apareceu para se informar do meu caso. Opinou: “4 cm e contrações não muito eficientes? Hum, se prepare porque a noite vai ser longa. Sua filha vai nascer lá pelas 6 da manhã”.
Em algum momento disso tudo pedi para usar o banheiro, acho que foi depois do exame e enquanto os médicos conversavam. Acontece que ali nas salas da triagem não havia banheiros, e tive que sair, camisolinha fofa e tudo, para usar o banheiro da recepção, que ficava bem na frente da sala de espera. Fazer xixi entre contrações foi incrivelmente doloroso e uma das partes mais desagradáveis, e foi quase literalmente que “vi estrelas”.


Bom, já está longo então vou parar por hoje. Amanhã continuo.